Pesquisadoras do ICB propõem modelo de covid longa para estudo de sequelas neuropsiquiátricas
Instrumento inédito mostrou relação entre sequelas e hormônios, o que possibilita a formulação de novos tratamentos

A covid longa caracteriza-se pelas sequelas associadas à infecção aguda de quem apresentou o quadro respiratório tradicional da covid-19. As pessoas com a forma prolongada da doença são pacientes que melhoraram seu quadro respiratório, mas têm outras implicações de saúde de longo prazo. Elas são mais suscetíveis a problemas no pulmão, infecções no coração, fadiga muscular ou problemas neuropsiquiátricos, como perda de olfato e do paladar, perda de memória e até mesmo depressão.
No artigo Neuropsychiatric sequelae in an experimental model of post-COVID syndrome in mice, as professoras Vivian Vasconcelos Costa e Aline Silva de Miranda, do Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, criaram um modelo experimental para conhecer as sequelas neurológicas de pacientes que apresentam a covid longa. Para isso, as pesquisadoras estudaram a doença em camundongos.
“Utilizamos camundongos e desenvolvemos um modelo inédito. Infectamos os animais com o coronavírus. Os animais então desenvolveram a doença pulmonar em sua forma aguda, como os humanos, e se curaram. O passo seguinte foi estudar as consequências neuropsiquiátricas nos camundongos em períodos tardios, depois da melhora de suas funções pulmonares", explica Vivian.

Foto: Jebs Lima | UFMG
Para estudar essas questões, o grupo liderado pelas professoras testou o comportamento dos camundongos em laboratório. Foram realizados vários testes com os animais para mensurar sua força muscular ou comportamentos do tipo depressivo, por meio do chamado teste de preferência à sacarose, que consistia na colocação de duas garrafas de água perto do animal, uma com açúcar e outra sem. “O animal, em teoria, deveria buscar a água açucarada, mas percebemos que os animais com covid longa não tinham esse comportamento, o que é indício de comportamento do tipo depressivo, o que acabou sendo confirmado por outros testes. No caso do teste de força, percebemos que os animais com covid longa também tinham menos força muscular, o que aponta para os sintomas de alterações no cérebro e nos músculos", explica a professora.
Outro teste realizado consistia em colocar os animais em labirintos. Enquanto os camundongos sem o quadro de covid longa exploravam o espaço, os que apresentavam o quadro não manifestaram esse interesse. “O animal com covid longa mantém-se mais quieto e explora menos o labirinto. Realizamos mais de 15 testes para mensurar o grau das incapacidades associadas à força, à depressão, à ansiedade e até à memória dos animais", enumera a professora.
Fêmeas são mais afetadas
Os testes comprovaram que os animais, além da fadiga muscular, da ansiedade e da depressão, também apresentaram déficit de memória em curto prazo. Tal quadro, porém, não alcança os animais de forma uniforme. Ele só aconteceu nos camundongos fêmeas. “Esse cenário também ocorre nos humanos, em uma proporção de 4 para 1, pois as mulheres têm mais covid longa que os homens", diz Vivian.
Com essa constatação, Vivian conta que o grupo decidiu investigar os motivos pelos quais a covid longa ocorre mais nas fêmeas. Para isso, o grupo retirou os ovários dos camundongos fêmeas para a realização de testes hormonais. “Confirmamos que, sem os ovários, as fêmeas se comportavam como os machos. Isso mostra que os hormônios estão envolvidos nas sequelas de longo prazo da covid, o que foi justificado pelas alterações da testosterona e do estradiol após a remoção dos ovários.”
As professoras Vivian e Aline avaliam que a pesquisa realizada no ICB abre margem para a testagem de terapias de bloqueio de hormônios em pessoas com quadro de covid longa. Apenas os antivirais não são suficientes para tratar as sequelas de longo prazo da infecção. “Agora podemos testar anti-inflamatórios, antidepressivos e até terapia hormonal. A pesquisa abre um campo de estudo que poderá ajudar bastante no tratamento dos pacientes que sofrem com as consequências de longo prazo da doença", projetam as docentes do ICB.

Vivian Costa acrescenta que desenvolver um modelo do gênero para humanos é tarefa complexa, e o estudo com os camundongos é etapa essencial. “O próximo passo do nosso trabalho é testar intervenções de medicamentos novos ou reposicionamento de fármacos para tratar a covid longa. Vamos tratar os animais na fase aguda e subaguda, aqueles que já têm as sequelas instauradas, para minimizá-las ou revertê-las. Depois dos testes com os animais, passamos aos estudos com seres humanos, algo que já está sendo feito em parceria com a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)", conclui a professora do ICB.
Artigo: Neuropsychiatric sequelae in an experimental model of post-COVID syndrome in mice
Publicado na Brain, Behavior, and Immunity e disponível on-line.