Rede de Museus: história contada em livro e projetos para aprimorar ações e comunicação
Criada em 2001, a rede da UFMG foi a primeira do gênero no país; projetos tratam de inventários de acervos, planos museológicos e educação museal para professores da educação básica

Num dia qualquer de 1999 ou do ano 2000, o hoje professor emérito da UFMG Gerson Pianetti deparou-se, num corredor da Faculdade de Farmácia, com caixas de documentos que seriam descartados para reciclagem, após o cumprimento do prazo mínimo legal de arquivamento. Curioso, ele pegou duas delas e levou para casa. Ao abri-las, encontrou provas feitas pelo poeta Carlos Drummond de Andrade, que foi aluno da Faculdade nos anos 1920. Essas provas foram reunidas a outros documentos – como requerimento de matrícula, assinatura no livro de formatura, certidão de nascimento do poeta, que, por sua natureza, estavam devidamente arquivadas na pasta de Drummond – e, mais tarde, incorporadas ao acervo do Centro de Memória da Farmácia.
Uma cena como a protagonizada por Pianetti tornou-se cada vez mais rara ao longo dos anos. Com a consolidação dos museus universitários na Universidade, a abertura de outros e a criação da Rede de Museus e Centros de Memória e Cultura da UFMG, ampliou-se a consciência da importância da preservação de documentos, objetos e outros itens que contam a história da instituição.
Criada em 2001, a Rede de Museus teve papel fundamental para que a Universidade começasse a refletir sobre a preservação do patrimônio e da produção científica – e trabalhar mais intensamente por ela, na visão da professora Rita de Cássia Marques, aposentada da Escola de Enfermagem e atuante hoje na pós-graduação em História. Diretora da Rede de 2013 a 2017, ela é uma das organizadoras do livro recém-lançado Rede de Museus e Espaços de Ciências e Cultura da UFMG: percursos e experiências formativas. A outra organizadora é a professora Meily Linhales, da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, coordenadora do Centro de Memória da Educação Física, do Esporte e do Lazer.
Ao mesmo tempo que revela e celebra a trajetória de suas duas primeiras décadas de existência, a Rede empreende com vistas ao futuro. Criou um curso de educação museal e comunicação pública da ciência para professores da educação básica – que atenderá também bolsistas dos museus da Universidade – e desenvolve projetos destinados ao inventário dos museus, à gestão de risco e à elaboração de planos museológicos, entre outros tópicos.

Preservar as diferenças
Os textos do livro tratam de unidades como o Espaço do Conhecimento, o Centro de Referência em Cartografia Histórica, o Centro de Coleções Taxonômicas e os Centros de Memória da Odontologia, da Enfermagem e da Medicina, entre outros. O conjunto de textos é heterogêneo – e isso faz sentido. “A Rede nunca teve pretensão de uniformidade, ela atua sobre os elementos e interesses comuns, mas cuida também de preservar as diferenças entre os museus”, afirma Rita Marques.
Dedicada à ideia de uma rede desde antes da criação, Rita revela que a Rede de Museus nasceu sem sala própria, mas já realizava projetos como cursos de capacitação. Logo iniciou-se a luta pela institucionalização. “Isso era importante para levar o tema dos museus para a administração central e os gestores das unidades acadêmicas. A institucionalização possibilitou à Rede começar a pleitear e obter financiamentos, funcionários, bolsistas”, conta a ex-diretora. “A Rede de Museus também ajuda a lidar com questões comuns, como protocolos de segurança, prevenção de incêndios e acidentes, e a produção de diagnósticos diversos.”
A Rede é uma coordenadoria da Pró-reitoria de Extensão (Proex), conta Rita Marques, citando que essa instância, assim como Pró-reitoria de Pesquisa (PrPq), inclui, já há algum tempo, a Rede de Museus em seus editais para contratação de bolsistas. Ela salienta que vários ex-estudantes que passaram pelos museus e centros de memória e cultura estão cuidando hoje de preservar a memória de instituições como a Fundação Ezequiel Dias (Funed), a Santa Casa de Belo Horizonte e o Minas Tênis Clube, e atuam também nos museus da própria UFMG.
Problemas comuns
Grande parte dos projetos que mobilizam hoje os coordenadores de museus e centros de memória e cultura membros da Rede de Museus são estruturantes. Eles são concebidos com base em diagnósticos que detectam problemas comuns, independentemente da natureza do espaço. “Essa é uma característica da nossa rede, investir em iniciativas que abranjam várias unidades”, afirma a professora Maria Inês Barreiros Senna, que está à frente do Centro de Memória da Odontologia e coordena a Rede de Museus, ao lado da professora Rúbia Santos Fonseca, do Instituto de Ciências Agrárias (ICA), localizado no campus regional de Montes Claros. Rúbia coordena o Herbário Norte Mineiro.
O projeto Protocolos, implantado em 2018, já produziu inventários preliminares dos seis museus que aderiram. “Ainda que não tenha atingido estágio avançado – o patrimônio da UFMG é gigantesco –, o que já foi feito oferece uma noção clara da riqueza do acervo”, informa o assessor educacional Marcus Silveira, servidor que atua na Rede de Museus. Segundo ele, a inserção da documentação no sistema In Patrimonium tem papel crucial para a organização, a gestão e a divulgação do patrimônio cultural.

A Oficina de Elaboração dos Planos Estratégicos, que segue as orientações do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), capacita para o planejamento museológico reunindo as propostas de salvaguarda, pesquisa e comunicação. A conclusão da oficina é condição para que o espaço pleiteie recursos disponibilizados pela Rede, que já utilizou dinheiro repassado por emenda parlamentar (do deputado federal Patrus Ananias, aplicado no diagnóstico para aprimoramento da gestão de riscos e revitalização das reservas técnicas, que é onde se guarda e protege as coleções), pela Fapemig e pelo CNPq. No âmbito da UFMG, há o PBEXT – programa de bolsas de extensão –, um edital que viabiliza a extensão nos museus, incluindo bolsas de ação afirmativa. “A maioria dos espaços não tem financiamento próprio, e ainda são insuficientes as fontes de recursos para os museus universitários”, ressalta Maria Inês Senna.
A coordenadora defende também a formulação de uma política de patrimônio para a UFMG que seja clara e viável. “A Rede é âncora para diferentes tipos de espaços e acervos. Tem a vocação de articular e trabalha pelo aprimoramento das ações de ensino, pesquisa e extensão em geral e da divulgação do patrimônio”, explica Maria Inês. Ela acrescenta que a Rede de Museus é uma instância muito importante para a formação em extensão, em cursos como os de Museologia e Conservação e Restauração, incluindo docentes e estudantes.
“Algo muito relevante e único desse conjunto é a variedade de acervos, realidades e expertises dos profissionais associados. Isso proporciona a troca de experiências, a inspiração em espaços que estão passos à frente em relação à conservação e à comunicação, e também a qualificação na gestão dos espaços", afirma Rúbia Fonseca, a vice-coordenadora da Rede. "Eu sou um exemplo disso: sou bióloga e curadora de um herbário, coleção biológica com a qual trabalhei ao longo de toda a minha formação profissional. Com a Rede de Museus e as oportunidades que toda a equipe teve, conseguimos nos qualificar e aprimorar a gestão e as práticas direcionadas principalmente para a preservação desse acervo."
Conhecer e cuidar do patrimônio
Rita de Cássia Marques gosta de contar o que ouviu na Universidade de Braunschweig, na Alemanha, fundada em 1745, onde, já envolvida com organização de acervos da UFMG, fez um estágio no final da década de 1990. “Na iminência dos primeiros bombardeios da Segunda Guerra Mundial, a população da pequena cidade da Baixa Saxônia se mobilizou para transferir todo o acervo da biblioteca para o porão do prédio. Isso é prova da consciência da importância de uma universidade. Se a nossa comunidade não sabe que a UFMG tem um acervo valioso, como vai lutar pela sua preservação? A Rede de Museus tem também esse papel essencial, o de chamar a atenção para o fato de que a Universidade tem um patrimônio e estimular o cuidado com ele”, argumenta a professora.
Muitos equipamentos da instituição não podem ser mostrados, por motivos diversos, daí a relevância de seus museus e centros de memória, que abrem as portas da UFMG para a população, explica Rita Marques, que deixa claro seu entusiasmo ao falar dos museus e da Rede. “Um museu oferece a possibilidade de ver as coisas de modo diferente. Um estetoscópio numa vitrine é mais que o objeto, ali se revela uma história sobre seu uso, sobre seu dono, pode haver imagens relacionadas. E, por trás do objeto na vitrine, há sempre o belo esforço de profissionais e estudantes para apresentar aquele item da melhor forma”, enfatiza a historiadora e organizadora do volume sobre a Rede Museus e Centros de Memória e Cultura da UFMG.

Os integrantes
Estes são os espaços que integram a Rede de Museus: Acervo Artístico da UFMG, Acervo Curt Lange, Acervo Imagens de Minas, Centro da Memória da Engenharia, Centro de Coleções Taxonômicas, Centro de Estudos Literários e Culturais – Acervo de Escritores Mineiros, Centro de Memória da Educação Física, do Esporte e do Lazer, Centro de Memória da Escola de Enfermagem, Centro de Memória da Faculdade de Letras, Centro de Memória da Farmácia, Centro de Memória da Medicina, Centro de Memória da Odontologia, Centro de Memória da Veterinária, Centro de Pesquisa, Memória e Documentação da Faculdade de Educação, Centro de Referência da Cultura Material da Agricultura Familiar – Sítio de Saluzinho, Centro de Referência em Cartografia Histórica, Centro Virtual de Memória da Extensão, Espaço Acervo Artístico UFMG, Espaço do Conhecimento UFMG, Estação Ecológica UFMG, Herbário Norte Mineiro, Museu Casa Padre Toledo, Museu da Escola de Arquitetura, Museu da Matemática UFMG, Museu de Ciências Morfológicas e Museu de História Natural e Jardim Botânico.
Projetos estruturantes da Rede em 2024
Programa de Extensão Rede de Museus e Espaços de Ciências e Cultura da UFMG
Mostra virtual Pesquisa e extensão na Rede de Museus
Chamada Interna da Rede (para apoio financeiro a projetos diversos dos museus)
Protocolos para documentação e gestão de acervos museológicos: implantação de um sistema integrado de informação na Rede de Museus
Oficina de elaboração de planos estratégicos
Programa institucional de bolsas de iniciação científica em interface com a extensão para a Rede
Revitalização da infraestrutura expográfica e de guarda das coleções dos espaços de ciência e cultura da Rede de Museus da UFMG (CNPq)
Desenvolvimento de protocolos para revitalização da infraestrutura de preservação e acesso de coleções científicas (Fapemig)
Tem ciência no museu? Educação científica em museus: desenvolvimento do pensamento científico, crítico e criativo na imersão dos acervos universitários da UFMG (Fapemig)
Mais informações sobre os projetos e diversos outros aspectos estão no site da Rede de Museus e Centros de Ciências, Memória e Cultura da UFMG.