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Ronaldo Pena é professor emérito da UFMG pela segunda vez

Primeira homenagem foi proposta, em 2018, pela Faculdade de Odontologia; desta vez, ele foi agraciado por sugestão da Escola de Engenharia, sua 'alma mater'

Ronaldo Tadêu Pena
Ronaldo Tadêu Pena: autonomia e altivez da universidade são inegociáveisFoto: Raphaella Dias | UFMG

“Nestes tempos de maledicências, ignorâncias e desinformação propositada em que vivemos, é preciso que a instituição universitária, do alto de seus quase mil anos de existência, e como provedora de conhecimentos e guardiã da cidadania, não se curve a governantes obtusos, inimigos do saber. Vivemos no Brasil uma vaga de negativismo anticientífico, antivacina, muito amplificada pelas redes sociais. Por isso, seja no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa, na Argentina ou na Ásia, será sempre preciso enfrentá-los – eles não podem passar. E não passarão.” Com essas palavras, o professor aposentado Ronaldo Tadêu Pena, pró-reitor de Planejamento de 2000 a 2006 e reitor da UFMG na gestão 2006-2010, celebrou e agradeceu o título de professor emérito da UFMG, por indicação da Escola de Engenharia, recebido em cerimônia realizada na noite desta segunda-feira, 5. 

Em seu contundente discurso, Pena – que já havia se tornado emérito por indicação da Escola de Odontologia em 2018 – traçou um panorama do quadro político mundial atual para escrutinar o papel desempenhado pelas universidades nas sociedades contemporâneas. “A Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, instituição exatos 140 mais antiga que o próprio país, deu e dá o exemplo atualmente, ao não se curvar às exigências da Casa Branca. Como escreveu a jornalista Laura Greenhalgh, da Folha de S.Paulo, o reitor da universidade reagiu de forma altiva [às tentativas de interferência do presidente extremista Donald Trump na universidade], dizendo: ‘a Universidade de Harvard não renunciará a sua independência nem abrirá mão de seus direitos constitucionais. Nenhum governo, seja ele qual for, pode ditar o que as universidades devem ensinar, quem elas devem contratar e em que áreas de estudos e pesquisas elas devem seguir.’ Segundo a jornalista, ao contrário do que disse ‘mister Trump’, Harvard não parece ter perdido o rumo: manteve o rumo e pintou-se para guerra. Este é o ponto: o compromisso dessa instituição milenar com a humanidade é maior do que o poder transitório de qualquer governo. A autonomia e a altivez da universidade não são negociáveis. Não podem ser”, disse Ronaldo Pena.

'Escoltado' pelos colegas Luis Aguirre, Carmela Maria e Eduardo Mazoni, Ronaldo é conduzido à cerimônia em que lhe seria outorgado o título de professor emérito
Ronaldo Pena é conduzido pelos colegas Luis Aguirre, Carmela Maria e Eduardo Mazoni à cerimônia em que lhe seria outorgado o título de professor emérito

Engenheiro eletricista graduado pela UFMG, Ronaldo Tadêu Pena iniciou sua carreira acadêmica na UFMG em 1974, no recém-criado Departamento de Engenharia Eletrônica, e logo começou a assumir funções administrativas na Universidade – a começar pela chefia do seu departamento, assumida por ele logo após sua entrada na UFMG, para dois mandatos consecutivos, aos quais se seguiu um terceiro, após seu interstício de doutorado. Sobre o tempo de sua atuação na administração central, ele lembra: “Esse foi um período excepcional para o sistema público de educação superior brasileiro. Tínhamos, no Palácio do Planalto, e também no Palácio da Liberdade, governos de partidos diferentes (o governador Aécio Neves, do PSDB, e o presidente Lula, do PT), mas que compreendiam com clareza o papel e a importância das Universidades”, disse, demonstrando, por meio do exemplo, que o problema político brasileiro diz menos respeito às adesões partidárias que à adesão (ou não) dos políticos aos ditames do Estado Democrático de Direito.

A cerimônia de outorga do título de emérito a Ronaldo Tadêu Pena foi transmitida e está disponível no canal da Escola de Engenharia no YouTube. A mesa do evento foi composta pela reitora Sandra Goulart Almeida, pelo vice-reitor Alessandro Fernandes Moreira, pelo diretor da Escola de Engenharia, Cícero Murta Diniz Starling, por seu vice-diretor, Henrique Resende Martins, pela professora Ana Lúcia Gazzola (reitora na gestão 2002-2006, período em que Ronaldo foi pró-reitor) e pelo professor Jaime Arturo Ramirez (reitor na gestão 2014-2018). Conduzido à mesa pelos professores Luis Antonio Aguirre, Carmela Maria Polito Braga e Eduardo Mazoni Mendes, seus colegas de Escola de Engenharia, Ronaldo Tadêu Pena recuperou, em seu discurso, as principais realizações de sua trajetória de vida profissional, praticamente toda realizada dentro da UFMG.

Ronaldo Pena é o segundo docente da UFMG condecorado duas vezes com o título de professor emérito. O primeiro foi Francisco César de Sá Barreto, reitor na gestão 1998-2002. Ele foi homenageado em 2005, pelo ICEx, e em 2006, também pela Faculdade de Odontologia

Liderança que inspira
Ex-aluno de Ronaldo Pena, o vice-reitor Alessandro Moreira recebeu, da reitora Sandra Goulart Almeida, a incumbência de fazer, em seu lugar, a saudação da Reitoria ao homenageado. Alessandro caracterizou dessa forma seu antigo mestre: “Uma liderança que nos inspira.”

Alessandro Moreira
Alessandro Moreira conviveu com o homenageado durante toda a sua carreira acadêmica e profissionalFoto: Raphaella Dias | UFMG
Cícero Murta Diniz Starling
Cícero Starling: trajetórias intelectuais de diferentes gerações da Universidade se influenciam mutuamenteFoto: Raphaella Dias | UFMG
Ricardo Takahashi
Ricardo Takahashi: Ronaldo Pena atuou em todas as frentes e dimensões acadêmicasFoto: Raphaella Dias | UFMG

Alessandro falou sobre sua relação com o professor com quem conviveu por toda a carreira acadêmica e profissional, na Escola de Engenharia. “Como aluno, cursei todas as disciplinas oferecidas pelo Ronaldo. Como professor, pude acompanhar, entre outras coisas, a integração das unidades acadêmicas no âmbito do Campus 2000, um projeto bastante estratégico da Universidade, realizado quando Ronaldo era pró-reitor de Planejamento”, disse. “Nesse sentido, é uma honra enorme proferir este discurso de outorga do título de professor emérito, em nome de nossa Reitoria. Se nossa instituição se consolida a cada dia, é em razão de contribuições como as dadas pelo senhor", disse ele, dirigindo-se ao homenageado.

Em seu pronunciamento, o diretor da Escola de Engenharia, Cícero Murta Diniz Starling, deu mais um exemplo do modo como as trajetórias intelectuais de diferentes gerações da Universidade se influenciam mutuamente, em perspectiva circular e sinérgica. “Eu, por exemplo, tive, em março de 1991, o meu diploma de graduação em Engenharia Mecânica assinado pelo professor Ronaldo Tadêu Pena. Hoje, 34 anos depois, com muita honra e gratidão, sou responsável por assinar seu diploma de outorga de professor emérito, em reconhecimento da Congregação da Escola da Engenharia aos relevantes serviços prestados à Universidade”, destacou.

A saudação oficial ao homenageado ficou a cargo de Ricardo Takahashi, professor do Departamento de Matemática do Instituto de Ciências Exatas (ICEx), cuja formação também tem origem na Escola de Engenharia. Takahashi explicou que, como docente da UFMG, Ronaldo atuou em “inúmeras frentes” e explorou “todas as dimensões daquilo que cabe a um professor fazer”: o ensino, a pesquisa, a extensão e as atividades administrativas. “Professor carismático, exerceu profunda influência na formação de seguidas gerações de alunos. Uma medida do impacto desse seu trabalho é ter sido professor homenageado paraninfo ou patrono de mais de vinte turmas”.

“Em sua trajetória, Ronaldo soube catalisar processos de mudanças de grande impacto, conduzindo discussões dificílimas e produzindo consensos improváveis; soube se cercar de pessoas que faziam a diferença e deixou essas pessoas caminharem. De maneira meticulosamente intencional, Ronaldo propiciou o ambiente para a geração de propostas inovadoras de longo alcance e coordenou a mobilização de meios para efetivá-las”, delineou. “Ao cabo, não tenho dúvidas de que Ronaldo Pena tem lugar ao lado de Mendes Pimentel, Mário Werneck, Aluísio Pimenta, Eduardo Cisalpino e alguns poucos outros que tiveram a chance, e não a desperdiçaram, de transformar a UFMG de seus tempos, projetando-a para o futuro em que nós seremos história”, concluiu Takahashi.

Mesa da cerimônia de outorga do título de professor emérito a Ronaldo Pena
Mesa da cerimônia de outorga do título de professor emérito a Ronaldo Pena Foto: Raphaella Dias | UFMG

A trajetória do emérito

Engenheiro eletricista graduado pela UFMG e mestre em Engenharia Biomédica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Ronaldo Tadêu Pena cursou doutorado em Engenharia Elétrica na Universidade do Texas, em Austin. Iniciou sua carreira acadêmica na UFMG em 1974, como professor assistente, em regime de dedicação exclusiva, do Departamento de Engenharia Eletrônica. Em 1991, por concurso de provas e títulos, tornou-se professor titular de automação e controle, no mesmo Departamento. Nesse meio tempo, assumiu a chefia do Departamento de Engenharia Eletrônica em três momentos, numa demonstração precoce de sua vocação para a atuação no campo administrativo da Universidade.

Ao longo de suas quase quatro décadas de trajetória profissional, Ronaldo Pena orientou mais de uma centena de estudantes de graduação em diversos níveis e 24 estudantes de pós-graduação stricto sensu, participou da formação de mais de 1 mil engenheiros eletricistas e liderou, nos anos 1990, o processo de criação do curso de graduação em Engenharia de Controle e Automação, cuja primeira turma seria admitida em 1998. No campo da pesquisa tecnológica, acumulou larga experiência em controle de processos industriais, tendo prestado consultoria, por meio da Universidade, a empresas dos segmentos siderúrgico, mineral e energético.

O professor emérito presidiu a Sociedade Brasileira de Automática (SBA) e duas edições (1986 e 2014) do Congresso Brasileiro de Automática (CBA), trazidas para Belo Horizonte em razão de seu esforço pessoal. Foi diretor da Escola de Engenharia de 1990 a 1994, pró-reitor de Planejamento de 2000 a 2006, durante as gestões  de Francisco César de Sá Barreto (1998-2002) – época da execução do projeto Campus 2000, um marco na expansão física do campus Pampulha – e Ana Lúcia Almeida Gazzola (2002-2006) e reitor na gestão 2006-2010.

Entre suas várias conquistas como reitor, destaca-se a adesão da UFMG ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras (Reuni), que promoveu uma ampliação inédita das vagas oferecidas pela Universidade e garantiu as condições para um crescimento qualificado também de sua pós-graduação. “[Ainda] fica como tarefa para a história registrar devidamente, no futuro, a decisiva participação da Administração Central da UFMG na própria elaboração das diretrizes do Programa”, disse a reitora Sandra Goulart, quando da atribuição do primeiro título de emérito a Ronaldo Pena. Com o Reuni, disse ela, "viabilizaram-se recursos que possibilitaram avançar em muito no ciclo de construção dos campi – o que talvez seja a marca mais visível da trajetória de Ronaldo Pena nesta universidade”.

Após deixar o cargo de reitor, em 2010, e prestes a se aposentar, Ronaldo dispôs-se ainda a ser o coordenador didático do curso de Engenharia de Controle e Automação, em mais uma demonstração de sua vocação para colaborar com o desenvolvimento da Universidade. De setembro de 2010 a março de 2018, foi diretor-presidente do Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC).

Cícero, Ronaldo e Sandra: honraria à 'liderança que inspira'
Cícero, Ronaldo e Sandra: honra à 'liderança que inspira' Foto: Raphaella Dias | UFMG

Ewerton Martins Ribeiro