Institucional

Maria Nazareth Soares Fonseca, da Fale, recebe título de professora emérita da UFMG

Outorga será formalizada nesta segunda, dia 7, no CAD 2; docente é pioneira, na Universidade, nos estudos sobre a literatura afrodiaspórica

Maria Nazareth Soares Fonseca agora é professora emérita da Faculdade de Letras
Maria Nazareth Soares Fonseca: trabalho referenciado além das fronteiras nacionais Foto: Vitor Carletti | IFFluminense

A professora Maria Nazareth Soares Fonseca, da Faculdade de Letras (Fale), recebe na noite desta segunda-feira, 7 de abril, o título de professora emérita da UFMG. A cerimônia será conduzida pela reitora e colega de Fale Sandra Regina Goulart Almeida a partir das 18h, no auditório principal do Centro de Atividade Didáticas 2 (CAD 2), no campus Pampulha.

A titulação é concedida por indicação das congregações das unidades a docentes aposentados cujas atividades acadêmicas realizadas ao longo da carreira são consideradas de excepcional relevância para a Universidade.

“Maria Nazareth é uma das principais expoentes dos estudos de literaturas africanas de língua portuguesa no Brasil, cujo trabalho é referenciado além das fronteiras nacionais”, situa a professora Sueli Maria Coelho, diretora da Faculdade de Letras, feliz com a homenagem que está sendo oferecida à colega. “Intelectual e mulher admirável, professora e pesquisadora excepcional, Maria Nazareth é alguém que, por sua sagacidade científica e por sua generosidade em partilhar conhecimentos, abriu caminhos e levantou bandeiras – sobretudo no campo das literaturas africanas”, pontua.

Maria Nazareth fez carreira discente na UFMG. Graduou-se em Letras Clássicas, em 1962, pela antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da então Universidade de Minas Gerais (UMG). Em 1979, fez uma especialização em literatura brasileira e literatura comparada pela Faculdade de Letras. No ano seguinte, concluiu seu mestrado no Programa de Pós-graduação em Letras: Estudos Literários (Pós-Lit). Seu doutorado, também pelo Pós-Lit, foi concluído em 1993.

Reinos negros
No mestrado, orientada pela emérita Letícia Malard, escreveu sobre o romance Incidente em Antares, de Érico Veríssimo. No doutorado, sob orientação da também emérita Eneida Maria de Souza, desenvolveu a tese Reinos negros em terras de maravilhas, adentrando-se no campo de pesquisas em que se situaria dali em diante. Sob a perspectiva da literatura comparada, esse doutorado foi cursado com período sanduíche na Universidade Sorbonne Nouvelle (Paris 3), sob a coorientação de Daniel-Henri Pageaux.

Na UFMG, Maria Nazareth atuaria como professora de 1976 a 1994, sempre na Faculdade de Letras. De 1995 a 2018, foi docente da PUC Minas em graduação e pós-graduação, onde, de 2002 a 2005, acumulou a direção da editora da instituição. Na PUC, Maria Nazareth orientou a tese O Atlântico em movimento: travessia, trânsito e transferência de signos entre África e Brasil na poesia contemporânea em língua portuguesa, defendida, em 2008, pela poeta, tradutora e professora Prisca Agustoni. Com o trabalho, Prisca e Maria Nazareth venceram o Prêmio Capes na área de Letras daquele ano.

Publicado pela editora Autêntica, o livro 'Brasil afro-brasileiro' é uma das publicações de Maria Nazareth
'Brasil afro-brasileiro' é um dos livros organizados por Maria NazarethImagem: Reprodução de capa

Livros e dossiês
Maria Nazareth publicou, entre outros, os livros Brasil afro-brasileiro (Editora Autêntica, 2000) e Literaturas africanas de língua portuguesa: percursos da memória e outros trânsitos (2008, Editora Veredas e Cenários). De 1998 a 2007, ela também organizou e produziu uma série de dossiês de literaturas africanas para a revista Scripta, publicação quadrimestral do Programa de Pós-graduação em Letras e do Centro de Estudos Luso-afro-brasileiros da PUC Minas.

Como coorganizadora, ela assina obras basilares para o estudo da literatura afrodiaspórica brasileira, como Poéticas afro-brasileiras (Editora Mazza, 2002, com Maria do Carmo Lanna Figueiredo), Mia Couto: espaços ficcionais (Editora Autêntica, 2008,com Maria Zilda Ferreira Cury), África: dinâmicas culturais e literárias (Editora PUC Minas, 2012, também com Maria Zilda) e o último volume da coleção Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica (Editora UFMG, 2011, com Eduardo de Assis Duarte).

Em 2021, a coleção foi apontada pelo jornal Folha de S.Paulo como uma das 200 obras brasileiras “importantes para compreender o Brasil”. Na cerimônia de outorga do título de professora emérita a Maria Nazareth, Eduardo de Assis Duarte fará o discurso de saudação e homenagem à agraciada.

Estudos afro-brasileiros na Fale: a pedra fundamental

Um dos marcos fundadores da trajetória de Maria Nazareth na Faculdade de Letras foi sua participação na criação do Grupo Interdisciplinar de Estudos Afro-Brasileiros (Gieab). No fim dos anos 1980, emergia na Universidade, em particular nos cursos de ciências humanas, um conjunto de estudantes negros – “majoritariamente constituído de mulheres”, lembra a professora – empenhado em discutir mais detidamente a questão racial no Brasil e o lugar ocupado por (ou destinado a) negros e negras na sociedade brasileira, questão que os induzia a avaliar e questionar, também, o lugar que passaram a ocupar ao ingressar na UFMG. Nesse tempo começavam a entrar em jogo as mútuas implicações entre raça/etnia, gênero e classe social, sob a égide da noção de interseccionalidade.

Segundo Maria Nazareth, ao ingressarem na UFMG, esses estudantes constatavam, entre outras coisas, não apenas o seu deslocamento no panorama humano mediano da instituição, mas também que os próprios temas de seu interesse não estavam incluídos nas ementas e discussões de seus cursos de graduação. Nesse cenário, criar um grupo de estudos de especificidade parecia ser o caminho possível para que “as questões trazidas por eles pudessem ser discutidas não somente com base na investigação bibliográfica, mas sobretudo a partir do contato com intelectuais e escritores negros brasileiros e estrangeiros”, recorda a professora. Em acordo com Melânia Silva de Aguiar, diretora da Fale no período, Maria Nazareth aproximou-se desses alunos e começou a articular com eles a formalização do pioneiro grupo de estudos.

Institucionalizado em 1991, o Grupo Interdisciplinar de Estudos Afro-Brasileiros (Gieab) passou imediatamente a se dedicar ao debate de várias questões que não estavam satisfatoriamente contempladas nas ementas das formações oferecidas pelos cursos de graduação da Universidade, como a questão racial brasileira, o racismo e a exclusão, tudo em consonância e articulação com outros movimentos que surgiam no país. No decorrer da década de 1990, o Gieab se tornaria referência estadual e nacional para a pesquisa e o debate das questões étnicas e raciais, com destaque para as formas assumidas por essas relações no âmbito das especificidades da sociedade e da cultura do Brasil, último país das Américas a abolir a escravidão.

Reformulação e ampliação
“Com esse objetivo, o Gieab promoveu pesquisas, discussões e eventos dentro e fora da Instituição. Conseguiu, dessa forma, atingir segmentos tradicionalmente excluídos da academia, atuando inclusive em comunidades carentes. Ao mesmo tempo, foi reunindo um importante acervo de publicações e vídeos a respeito das condições de vida da população afrodescendente, bem como sobre a literatura e as demais produções culturais dela advindas”, registra-se no site do Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Alteridade (Neia), da Faculdade de Letras. Criado em 2000, o Neia é fruto da reformulação e ampliação do Gieab, que desde essa reformulação passou a pesquisar e debater oficialmente outras construções identitárias, como as de gênero, institucionalizando sua perspectiva interseccional.

“O Grupo Interdisciplinar de Estudos Afro-Brasileiros tem uma importância imensa em minha trajetória de docente e pesquisadora”, avalia Maria Nazareth, repassando mentalmente sua trajetória, com vistas a preparar o discurso que fará durante a cerimônia. “Mesmo depois de haver deixado a supervisão do grupo, em 1994, em decorrência da minha aposentadoria (e de ter assumido, em 1995, a coordenação da área das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, no Programa de Pós-graduação em Letras da PUC Minas), eu continuei a ter uma relação muito próxima com o grupo. Inclusive, fui orientadora de mestrado e de doutorado de algumas das alunas fundadoras do Gieab”, lembra a professora. Uma dessas fundadoras é Nilma Lino Gomes, professora emérita da Faculdade de Educação da UFMG e ex-ministra de Estado.

Daquela década de 1990, pontua Maria Nazareth, ficou também a lembrança dos grandes debates e encontros realizados com vários importantes nomes da literatura afrobrasileira, como Adão Ventura, Edimilson de Almeida Pereira e Cuti, do grupo Quilombhoje, de São Paulo, um dos parceiros recorrentes do grupo. “A verdade é que a história do Gieab não pode ser esquecida. O grupo influenciou vários rumos de pesquisa nas áreas da literatura e da cultura afro-brasileira na UFMG. Sua história reverbera em muitas publicações de autoria de seus fundadores e se estende ao literÁfricas, criado em 2020 sob minha coordenação como uma aba do portal Literafro, que é coordenado pelos professores Marcos Antônio Alexandre e Eduardo de Assis Duarte, atuais coordenador e subcoordenador do Neia."

Emérita da Fale: Maria Nazareth Soares

Ewerton Martins Ribeiro