Coberturas especiais

Clarice Lispector: a mulher por trás da pose

Novo episódio do programa ‘Aqui tem ciência’ aborda dissertação da Fale realizada com base em cartas da escritora, que revelam uma imagem diferente da difundida entre os leitores

Clarice Lispector:
Clarice Lispector: "homens não respeitam mulheres que riem"Foto: Maureen Bisilliat | Acervo Instituto Moreira Salles

Correspondências de Clarice Lispector para suas irmãs e para amigos como Fernando Sabino e Lygia Fagundes Telles revelam um lado menos conhecido da escritora: alegre, cuidadosa e, às vezes, chateada com a crítica literária, embora manifestasse publicamente que não se preocupava com as opiniões sobre sua obra. 

As cartas, já publicadas em vários livros e disponíveis em manuscritos do acervo do Instituto Moreira Salles, são analisadas na dissertação de mestrado "Não se pode andar nu": pose e artifício na correspondência de Clarice Lispector, desenvolvida pela pesquisadora Raynara Voltan no Programa de Pós-graduação em Estudos Literários da Faculdade de Letras da UFMG. O título faz referência a uma frase do livro Água viva: “Não se pode andar nu, nem de corpo, nem de espírito”. 

A análise abrange três conjuntos de cartas. Além das trocadas com pessoas íntimas, que frequentemente abordam as críticas literárias, há correspondências dirigidas aos chamados “homens de letras”. “São literalmente homens, que eram editores e tradutores, falando da obra dela”, explica a pesquisadora. O terceiro conjunto reúne cartas com caráter ficcional exagerado, classificadas como camp – conceito discutido pela escritora estadunidense Susan Sontag, cuja obra faz parte do referencial teórico da pesquisa.  

Política da pose

Outro conceito trabalhado no estudo é o de “pose”, com base no ensaio A política da pose, da escritora e crítica literária argentina Sylvia Molloy. “Ela diz que muitos autores do início do século 20 utilizam-se dessa política, geralmente para defender seu projeto artístico. Molloy faz referência a Oscar Wilde [escritor e poeta irlandês perseguido por ser gay] e Alejandra Pizarnik [poeta, ensaísta e tradutora argentina], mas podemos expandir isso principalmente para a literatura de autoria feminina, para autoras latino-americanas: como a pose é uma representação política”, detalha Voltan.

No caso de Clarice Lispector, a imagem séria pela qual ficou conhecida pode representar uma pose que também denota um posicionamento político. “A Lygia Fagundes Telles conta que a Clarice sempre falava para não rir, porque os homens não respeitam mulheres que riem. Nas fotos, a Clarice é sempre séria, são poucas as fotos em que ela sorri. A pose está atrelada a isso”, revela a pesquisadora.

Um dos resultados do estudo foi a identificação de máscaras (ou personas) usadas pela escritora, para, por exemplo, responder ao renomado crítico literário Álvaro Lins, que viria a se tornar membro da Academia Brasileira de Letras. “A crítica que ele faz é sobre o livro, mas também sobre a autora. Clarice se defende, quando diz que nunca leu Virginia Woolf – ele sempre falava que ela era uma grande cópia da escritora britânica”, conta Voltan.

Saiba mais sobre o estudo no novo episódio do Aqui tem ciência, que integra série especial veiculada no mês de março que destaca pesquisas realizadas por mulheres, que também abordam questões de gênero.

Raynara Voltan durante gravação do Aqui tem Ciência
Raynara Voltan durante gravação do 'Aqui tem ciência'Foto: Alessandra Ribeiro | Rádio UFMG Educativa

Raio-x da pesquisa

Título: "Não se pode andar nu": pose e artifício na correspondência de Clarice Lispector
O que é: dissertação de mestrado que apresenta análise de correspondências da escritora Clarice Lispector com familiares e amigos, editores e tradutores, e ainda cartas dela que tinham caráter ficcional. O estudo trabalha com conceitos como pose, performance, persona e camp
Autora: Raynara Isis Barbosa Voltan
Orientador: Marcelino Rodrigues da Silva
Programa de Pós-graduação: Estudos Literários
Ano de defesa: 2024

O episódio 196 do Aqui tem ciência foi produzido por Júlia Rhaine, com roteiro e apresentação de Alessandra Ribeiro e trabalhos técnicos de Cláudio Zazá. O programa é uma pílula radiofônica sobre estudos realizados na UFMG e abrange todas as áreas do conhecimento. A cada semana, a equipe apresenta os resultados de uma pesquisa desenvolvida na Universidade. Ao longo do mês de março, o programa apresenta uma série de episódios que destaca pesquisas feitas por mulheres, que também abordam questões de gênero. 

Aqui tem ciência é veiculado na Rádio UFMG Educativa às segundas-feiras, às 11h, durante o programa Conexões, com reprise nas sextas, às 20h. Os episódios também ficam disponíveis nas plataformas de podcast, como Spotify e Amazon Music.