Pesquisa da UFMG aponta cerca de 40 mil casos notificados de violência contra crianças
Mães são as mais agressoras e a maioria das vítimas tinha entre 2 e 5 anos
O Brasil vem registrando indicadores alarmantes com relação às violências, que se torna um problema de saúde pública e coletiva. Estudo recém-publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva por pesquisadores da Escola de Enfermagem da UFMG, em parceria com o Ministério da Saúde, revela que, em 2022, foram notificados quase 39 mil casos de violências contra crianças: 21.462 entre as meninas e 17.437 entre os meninos. A maioria das vítimas tinha entre 2 e 5 anos (39,4%). O tipo de violência mais frequente foi a negligência (50,7%), seguido da física (23%) e da psicológica (14,5%). Os principais agressores foram a mãe (51,7%), o pai (40%), o padrasto (6,2%) e algum conhecido (8,5%).
A coordenadora da pesquisa, professora Deborah Carvalho Malta, destaca que o objetivo foi descrever as características da violência praticada contra crianças e analisar os fatores associados. “Os dados foram do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), que constitui um sistema de grande relevância, permite monitorar essas ocorrências e possibilita que as equipes de saúde adotem as medidas de notificação para estabelecer proteção às vítimas”.
A residência foi o local de ocorrência mais frequente (88,3%), seguido da via pública (6,9%) e da escola (4,7%). Os meios de agressão foram a força corporal/espancamento (21,1%), ameaça (7,7%), objeto quente (3,4%), objeto contundente (2,5%) e objeto perfurocortante (1,65%).
O estudo apresentou que as violências praticadas contra as crianças têm variações conforme a idade. Evidências mostram que as crianças menores são mais sujeitas à negligência, que inclui abandono, ausência ou insuficiência de cuidados físicos e emocionais. “Entre as vítimas de até 1 ano, a ocorrência mais frequente foi na residência, praticada por mãe ou pai e o tipo de violência foi negligência. Crianças de 2 a 5 anos, foram mais vítimas da violência sexual, praticada por conhecidos, na residência. Já as crianças entre 6e 9 anos, sofreram mais violências física e psicológica, praticadas pelo padrasto ou conhecidos, com ameaça e força corporal, uso de objetos cortantes/contundentes e o principal local de ocorrência foi na escola e via pública. A praticada na escola, que acontece de forma repetida e no âmbito de uma relação de desequilíbrio de poder, pode ser descrita como bullying e inclui violência física, verbal, intimidação e cyberbullying”, detalha a pesquisadora.
Deborah enfatiza que a participação das mães nessas práticas é considerada uma consequência da perpetuação do ciclo de violência. “Mulheres que enfrentam violência doméstica, por parte de seus companheiros, frequentemente foram vítimas de violência em suas famílias de origem, o que contribui para a propensão a reproduzir essas práticas com seus filhos. Somam-se a isso as vulnerabilidades sociais enfrentadas pela maior parte das famílias chefiadas por mulheres. Entender e abordar esse ciclo de violência é crucial para o desenvolvimento de intervenções eficazes que visem interromper esse padrão e promover ambientes familiares mais saudáveis e seguros”.
Enfrentamento: cuidado integral, prevenção e proteção
Segundo a professora, para o enfrentamento da violência é preciso uma readequação da organização tradicional dos serviços, com a necessidade de atuação muito mais específica, interdisciplinar, multiprofissional, intersetorial e engajada, visando o cuidado integral, a prevenção e a proteção, o que se configura também como um imenso desafio a ser transposto. “Além disso, devem ser adotadas estratégias de prevenção que trabalhem a origem da violência, bem como alterar os processos que levam à subnotificação dos casos. No ambiente intrafamiliar, os cuidados integrais devem ser estimulados e incentivados por políticas públicas, programas e serviços, permitindo que comunidades, pais e cuidadores garantam a boa saúde e a nutrição das crianças, assim como protegê-las de violências e ameaças, juntamente com a melhoria do vínculo familiar e a parentalidade positiva. Nenhuma violência contra criança é aceitável e todos os eventos podem ser prevenidos”.